“Não podemos olhar para esta crise pensando em dinheiro”, diz Dr. Gonzalo Vecina

Imagem: Comunicação da Intersindical
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Em entrevista para a Intersindical, o médico, professor da Faculdade de Saúde Pública da USP, ex-secretário e saúde municipal de São Paulo e um dos criadores da ANVISA, Dr. Gonzalo Vecina discute a crise sanitária provocada pelo CORONAVÍRUS.

Intersindical – Na sua opinião, qual é o tamanho do problema gerado pelo Coronavírus?

DR. VECINA – Esta é uma situação extraordinária, o Brasil nunca viveu uma crise como esta que nós estamos passando agora, nunca viveu uma epidemia como esta. A gripe espanhola e a peste negra na verdade foram bem difíceis também, porém a velocidade de transmissão que temos agora nunca aconteceu.  Nunca tivemos tantas pessoas morando na cidade, no Estado de São Paulo, por exemplo, temos 96% da população urbanizados, o que leva a uma grande disseminação. E uma situação surpreendente nova temos que ter temor e respeito, vejam que os Italianos não tiveram e estão pagando por isso.

Intersindical – Os países asiáticos, notadamente a China e a Coréia do Sul, tem enfrentado a pandemia com a tática de testes em massa e confinamento dos infectados. Este é um caminho a ser seguido no Brasil?

DR. VECINA – Sobre a testagem. A Coréia e China testaram muito, o que é bom, a gente estima que 80% das pessoas estiveram em contato com a gripe terão em forma mais fraca, talvez nem saberão se tiveram o COVID-19. No caso de pessoas de 0 a 40 anos a mortalidade são 2 pessoas a cada mil, no outro lado, quem estava na faixa etária dos 80 anos morrem quinze indivíduos a cada cem, e uma diferença bem grande.  Problemas que nós não temos locais para fazer confinamentos e não temos quantidade de teste para testar a vontade, o teste brasileiro e produzido pela FIOCRUZ que tem capacidade de produzir 500 mil testes a cada quatro meses, quando houver possibilidade de produzir o próximo lote nos provavelmente devemos estar fora da epidemia que deve durar 2 a 3 meses. Experiência da China, nós sabemos muito pouco e pouco que sabemos e da observação das experiências que já tivemos em epidemias anteriores, lembrando que vivemos em um país tropical o que é diferente do caso chinês, temos desafios distintos neste sentido.  Enfim se eu tivesse testando todo mundo eu saberia melhor o que era este 80% e tomaria providências. Então em boa medida os testes massivos no Brasil são inviáveis, não existe possibilidade.

Intersindical – O Governo Bolsonaro tenta criar a dicotomia entre a vida e a economia. No final das contas, para a ideologia deste governo, as pessoas servem a economia e não o contrário. Para o você, qual é o papel do estado em um contexto como este?

DR. VECINA – Não podemos olhar para esta crise pensando em dinheiro, temos que pensar no futuro das pessoas que temos que salvar. Aqui estamos falando de uma crise sanitária com consequências sociais e consequências econômicas. A Emenda Constitucional 95 (que estabelece o teto de gastos por 20 anos) não tem como ser atendida. Existe necessidade de comprar leitos de UTI e instalar, urgentemente, estes leitos.   Por outro lado, tem de distribuir recursos para as pessoas, para que comprem comida e se mantenham em casa. Parte da população ganha pela manhã para comer a noite, se estas pessoas não tiverem o que comer o que elas irão fazer? O estado em nome da população brasileira tem que resolver isso. Nesse momento temos outro problema, nós não temos estadistas governando este país, temos que cobrar os governantes, usar as mídias para difundir ideias como a Intersindical está utilizando.  E neste momento temos que gastar dinheiro sim, para conseguir ter mais acesso a saúde, e garantir que as pessoas fiquem em casa, quanto mais gente ficar em casa menos gente vai ficar doente. Caso o contrário, os serviços de saúde irão entrar em colapso como aconteceu na Itália.

Intersindical – O que precisamos fazer enquanto sociedade, já que o governo tem sido extremamente prejudicial em termos de orientação sobre o enfrentamento ao COVID-19.

DR. VECINA – Estamos no comecinho então é a hora de não sair de casa para não passar essa doença para os idosos. Precisamos tomar cuidado com mãos, é nela que o vírus chega antes da contaminação, nós pegamos o vírus nas mãos e passamos para boca, nariz e olhos. Então cuidado!  Devesse lavar as mãos com água e sabão, que é tão bom quanto álcool gel, sempre que tossir por braço na frente, não comprimente as pessoas por contato, não ter contato físico, movimente o mínimo possível para fora de casa. Evitar hospital. Mas nesta luta necessitamos que o estado promova recursos para que as pessoas tenham condições econômicas para enfrentar a crise.

Intersindical – Como você enxerga a saída para a crise que estamos passando? Além da Pandemia, temos ainda uma agenda de medidas que retiram diretos e enfraquecem a estrutura estatal. Como podemos mudar esta situação?   

DR. VECINA – Eu acho que é uma questão central que só tem uma solução e que se chama voto, não tem outro remédio. Ainda temos um tempo para votar presidente e governador, este ano, se tudo der certo, teremos as eleições. Na democracia, estas coisas se resolvem com votos, mas precisa ser esclarecido essa questão, ou seja, a razão de ser de um estado democrático em uma sociedade moderna.  Neste tipo de estado, deve haver equilíbrio dentro do regime, entre quem executa, quem faz as leis e quem fiscaliza a execução das leis, ou seja, os poderes executivo, legislativo e judiciário. Então não é uma coisa simples, a maioria das pessoas não tem noção da importância do estado para sociedade de existir. Por exemplo, o dono da padaria diz que a padaria é dele minha e o estado não manda ali; então para que serve as intuições? Organizações empresarias na sociedade? Existe alguma EMPRESA completamente independente da capacidade da sociedade viver e se reproduzir? A resposta é não. Todas têm a ver com necessidade dos homens viverem e consumirem coisas que eles não fazem.  Eu sei dar aula, mas não sei fazer pão, na sociedade tudo tem a ver com a gestão que estado deve fazer dessas relações. Temos um exemplo dramático disso agora:  estão vendendo álcool gel com preço absurdo. É função do estado fiscalizar quem está vendendo o álcool gel com preço absurdo, tem que ser o preço fixado não se trata de acabar com concorrência, o público e o privado são públicos na democracia. Cada um participa da sua forma para fazer que o produto chegue nas pessoas que dele precisam, mas confesso que isso não é tão fácil de entender.

Intersindical – O mesmo ocorre com a questão da regulação do trabalho. O que falam por aí é que a regulação e proteção do trabalhador é algo obsoleto.

DR. VECINA – Então, quando você fala de regulação do trabalho, porque as acham que sua força de trabalho depende deles, e não depende de um monte de relações:  de como o trabalho é usado, como ele transforma capital em lucro e as consequências relativas da concentração do lucro nas mãos de quem é dono do capital. Na minha opinião, não vamos mudar nossa sociedade tão rápido, mas agora temos de discutir sobre esse lucro, é preciso que seja regulamentado pelo estado, para que não siga gerando o mal social no lugar de garantir um estado de bem-estar social, com direitos essenciais entregues para a sociedade: saúde, educação, habitação, transporte, justiça, previdência, segurança. Temos de ter outros direitos também, quando a gente fala do passe-livre, por exemplo, estamos falando do direito de ir e vir que é um destes direitos fundamentais. Temos que entender o papel do estado e dos governantes, ás vezes cometemos essa bobagem que cometemos agora ao eleger um sujeito que não é um estadista e que está dando frequentes sinais que irá destruir o Brasil. E agora vamos ver como vamos aguentar, é se nossos representantes conseguem resolver esses desatinos. As consequências positivas disso tudo é que espero que a situação leve à população a se posicionar e exigir dos governantes o enfrentamento à crise sanitária e a consequente construção de um estado de bem-estar social.

Intersindical – Qual seria suas considerações finais? Uma mensagem para os leitores da Intersindical.

DR.VECINA – Eu pessoalmente acredito que nós temos condições de fazer sociedade melhor. Importante pedir aos nossos trabalhadores que eles se interessem em fazer um mundo e um Brasil melhor, e a partir dessa vontade tomarem posição e disseminarem ideias e cobranças aos homens públicos. Temos que atravessar essa crise e para isso aquelas medidas já citadas aqui são importantes: Vamos ficar em casa para diminuir disseminação do vírus, só procurar o serviço de saúde se houver necessidade e cuidar da higiene comportamento civilizado para atravessar por mais dois ou três meses. Façam a limonada desse limão que estamos descascando agora e sairemos vivos e com vontade viver o futuro.

Entrevista: Edson Índio
Transmissão e direção: Alexandre Maciel
Transcrição e edição: Raquel Ribeiro
Secretário de Comunicação: Pedro Otoni

ASSISTA AQUI A ENTREVISTA COMPLETA COM O DR. GONZALO VECINA:

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