Os bancos devem estar à serviço do emprego e do desenvolvimento

Imagem: Comunicação da Intersindical
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Mané Gabeira, bancário do Itaú, é membro da Direção Nacional da Intersindical, além de diretor da Contraf/ CUT, membro da diretoria do Sindicato dos Bancários de São Paulo pela corrente “Bancários na Luta”

INTERSINDICAL– Qual o papel do sistema bancário e dos serviços bancários para o desenvolvimento do país e para o atendimento à população?

GABEIRA – O sistema financeiro, brasileiro empresta pouco e é extremamente caro. Nós há anos estamos fazendo gestão frente aos governos, frente aos grandes banqueiros porque a gente acha que o sistema precisa estar focado mais no desenvolvimento do país. Mais na produção. E um sistema voltado à produção tem de dar prioridade no papel dos bancos, e os bancos têm de sair do financiamento do consumo e jogar 100% de suas atividades no financiamento da produção.

Infelizmente esse papel é cumprido com deficiência pelos bancos públicos. Hoje é o Banco do Brasil que financia a agricultura de exportação e a familiar, é a Caixa Econômica Federal que faz a maior parte dos financiamentos para o crédito imobiliário que é uma necessidade urgente do país para o fomento do saneamento básico, de grandes obras públicas, e é o BNDES que ainda financia o setor industrial. Os grandes bancos privados hoje têm uma certa ‘alergia’ ao risco e não financiam nada em longo prazo.

INTERSINDICAL – Eles têm uma dependência em relação ao Estado. O setor bancário não está desconectado das estruturas do Estado. É interessante, também falar um pouco disso.

GABEIRA – Na realidade é um sistema que além de ter uma lógica de financiar o consumo de curto prazo, ele está vinculado e dependente da dívida pública. Porque o Brasil, se você atualizar as tabelas, está sempre entre as maiores taxas de juros do mundo.

 Os empresários falam muito do impostômetro, na realidade sabemos que o que mata o país é o ‘jurômetro’. Porque as taxas de juros inviabilizam e não incentivam nenhuma atividade produtiva. Ninguém, hoje, vai retirar o seu dinheiro com a taxa de juros do sistema financeiro e vai investir em atividade produtiva. Então o país hoje está sendo inviabilizado pelo rentismo e pelo ‘jurômetro’.

É isso que a gente poderia debater com as pessoas. Quem são os beneficiários deste sistema? É uma porcentagem muito pequena da população.

Hoje o rentismo têm uma pequena parte dos fundos de pensão, mas a grande maioria são os bancos, os grandes monopólios internacionais e alguns setores nacionais. Então esse pequeno setor que não corresponde a nem 5% da população é beneficiária de praticamente 50% de tudo que a União, o estado e os municípios arrecadam.

INTERSINDICAL – É uma transferência brutal de renda.

Dos setores de trabalhadores e mais empobrecidos para os ‘setores de cima’, para os ricos. E essa lógica precisa ser mudada no sistema financeiro e nas políticas públicas. E nós mudamos isso por meio de debates sobre a dívida pública, que é praticamente um câncer da economia brasileira e os juros. A gente fala muito da Europa, Estados Unidos, mas aqui os juros dos grandes bancos privados, a cada quatro cinco anos eles constroem, com o lucro do seu patrimônio o equivalente a um novo banco. O lucro deles é de 20% ao ano. Então imaginemos o quanto os grandes bancos europeus e norte americanos demoram 100 anos para dobrar o seu patrimônio liquido, enquanto no Brasil eles conseguem isso em 4 ou 5 anos.

Então, é só a gente analisar a economia brasileira. Recessão, desemprego, retirada de direitos, aí você vê o lucro do sistema financeiro. O que se retirou de um setor, é repassado a outro. Essa lógica do rentismo precisa ser alterada, focando na questão dos juros. Hoje está entre 7 a 8% do PIB do país é usado para se pagar juros, o que dá em torno de 500 a 600 bilhões por ano.

Sempre se diz que o que inviabiliza o estado são os gastos sociais, principalmente da previdência. Mas o que inviabiliza realmente são os gastos com pagamento de juros. E de longe ele é o maior ralo da economia brasileira. Se somarmos os gastos com juros, equivale aos gastos da previdência, da saúde, da educação somados.

As três maiores despesas do país não equivalem ao que se gasta com juros. Está a hora de o país começar a debater isso, por que senão não haverá desenvolvimento, crescimento, o país vai ficar estagnado em cima do rentismo.

INTERSINDICAL – O bancário também tem uma função econômica na perspectiva de construir uma viabilidade da produção, não existe produção sem financiamento. Qual o papel do crédito no desenvolvimento da economia, na produção do gasto produtivo, no aumento do emprego, etc.?

GABEIRA – O crédito é extremamente importante porque por meio do crédito você dinamiza a economia, se usa a poupança e a repassa para as outras pessoas que estão dispostas a iniciar alguma atividade ou investir na produção, seja na agricultura ou no setor industrial, ou de serviços. Mas a preocupação que temos é quando se tem um sistema que não esteja voltado para o desenvolvimento e para a produção. Ele é um sistema que passa a se ancorar e se proteger no Estado para se remunerar a renda das pessoas que não investem na produção. Então se tem aí um sistema contra a produção, um sistema distorcido. E precisamos discutir esse sistema com toda a sociedade. O sistema financeiro é importante, mas ele não pode matar a atividade econômica da sociedade. E hoje o sistema financeiro inibe o comércio, a produção industrial, a agricultura.

INTERSINDICAL – Qual o papel do sistema bancário estatal na viabilização da atividade econômica, inclusive setores estratégicos como construção civil, agricultura e implementação de políticas públicas?

GABEIRA – Com as devidas correções que precisamos fazer, os bancos públicos são fundamentais para o desenvolvimento do país. A política da agricultura não existiria sem a atuação fundamental do Banco do Brasil. No financiamento do agronegócio, na agricultura familiar, na pequena propriedade, o papel da Caixa Econômica Federal no financiamento ao crédito imobiliário, à política habitacional, à política de desenvolvimento dos setores de infraestrutura que é feita hoje pelo BNDES, a política de financiamento de longo prazo do setor industrial. Então os bancos públicos têm um papel fundamental na economia brasileira.

Foram os bancos públicos, a partir da crise de 2008, que garantiram que nós, naquele momento, não fossemos atingidos de cheio pela crise bancária que havia surgido nos EUA. Hoje percebemos que o governo golpista tem trabalhado na linha de esvaziar todos os bancos públicos. Seja no BNDES que mudou as taxas de juros, seja no Banco do Brasil ou na Caixa Econômica Federal. E alguns formuladores como Armínio Fraga, Dércio Ari (PSDB) já estão defendendo publicamente a privatização da CEF, revisão do papel do BB e mudar o papel do BNDES. Então há um processo em que o sistema financeiro, principalmente o público, está sendo atacado e é ruim para o país e para as políticas de desenvolvimento, inclusive de aumento da soberania do país. O Brasil está sendo desmontado e o sistema financeiro está sendo usado para garantir a rentabilidade dos grandes bancos nacionais e internacionais.

INTERSINDICAL – Poderíamos considerar o rentismo como uma distorção do papel do sistema, em uma perspectiva progressista, evidentemente?

GABEIRA – É uma distorção, porque o rentismo como está formulado atualmente ele mata a produção. Qualquer pessoa que tem uma atividade econômica pensa várias vezes antes de investir e correr risco, frente a este sistema financeiro que garante isso para ele. Então compensa a pessoa que tem um certo capital investir no sistema financeiro. Há uma lógica que quem trabalha ganha menos do que quem especula.

Isso é permitido porque, no Brasil, temos uma anomalia, que não apenas o sistema de juros, que é um dos maiores do mundo, mas o spread brasileiro é altíssimo. Sempre com justificativa que é a questão da estabilidade do país.

INTERSINDICAL – Fale mais sobre o spread bancário

GABEIRA – É o quanto os bancos pagam para você que faz um investimento que compra um título público e o quanto ele cobra. A diferença entre os juros que cobra e o que ele paga. Por exemplo, quando se aplica no sistema financeiro se recebe 10 a 12% ao ano de títulos no seu CDB e o banco pega esse 12% que ele pagou e empresta do cheque especial a 250% ao ano.

Se pagou 12 e empresta por 250%. No cartão de crédito é 320%. A alegação dos operadores do sistema financeiro para essa distorção tão grande é que há um custo em se manter os bancos e a inadimplência. Mas a inadimplência tem se mantido em torno de 2 a 3%, então não condena a atividade.

Os bancários sabem que só com tarifas bancárias os bancos têm condições de cobrir uma folha e meia do funcionalismo apenas, com tarifas. Além das tarifas bancárias que os bancos recebem, eles têm os juros do títulos públicos, que são de tesouraria e que representam uma porcentagem muito grande, porque os bancos detêm a maior parte da dívida pública, e os juros dos empréstimos. Então os bancos têm três formas de remuneração: juros dos empréstimos, os de tesouraria (a dívida pública) e as tarifas. Então percebemos que os bancos sempre ganham, não há risco algum.

E com uma política que praticamente você inviabiliza a atividade produtiva e, por consequência, o desenvolvimento do país.

INTERSINDICAL – Como mudar a lógica do rentismo, frente a essa distorção?

GABEIRA – Temos que fortalecer o papel dos bancos públicos, com desenvolvimento, financiamento da atividade produtiva e com controle social via sindicatos, cooperativas, tendo a população fazendo a suas reivindicações e o sistema trabalhando nessa lógica da população. E debatendo as grandes políticas de desenvolvimento com o Congresso Nacional, e a Presidência. É o povo participando do desenvolvimento do país. Essa seria a primeira função dos bancos públicos: fortalecê-los. E, no limite, temos de trabalhar na perspectiva de estatizar o sistema financeiro, para ter o controle público e social da atividade do crédito. Isso é estratégico para qualquer nação que precisa de desenvolvimento, que precisa garantir a sua soberania, os seus recursos, seus bens estratégicos. É fundamental fortalecer isso.

Além de outras atividades, o sistema financeiro brasileiro é comandado por oligopólios. Temos praticamente 5 bancos controlando 80% de todo o crédito do país. Se analisarmos no mundo isso não existe, nem nos EUA. Então precisamos debater também as experiências internacionais.

A Polônia, por exemplo, nos últimos vinte anos tem tido um grande crescimento econômico graças aos bancos cooperativados, que com o fim do leste europeu, se manteve esses bancos cooperativados. Então cada região tem os seus bancos e se financia com os seus sindicatos, em cada região, a atividade produtiva.

Na Alemanha 70% do sistema é feito por meio de sindicatos das grandes cooperativas, dos pequenos bancos. Não são os grandes bancos que financiam a economia alemã. Essas experiências internacionais que, inclusive, tem dados certo, precisamos começar a debater.

E, para começar, tem de acabar com sistema de monopólio que sabemos que se continuar do jeito que está, corremos o risco de daqui há alguns dias, se o governo golpista continuar, teremos um banco público ou nenhum e termos apenas um ou dois bancos nacionais. Então praticamente o sistema financeiro vai virar um verdadeiro monopólio.

INTERSINDICAL – Entendendo: uma medida seria: 1 – fortalecer os bancos públicos; 2 – estatizar os três bancos, para acabar com o monopólio.

GABEIRA – Mas isso não significa que o setor bancário como um todo será estatizado. É possível ter cooperativas em um nível local e setores industriais, de agricultura, de comércio, de sindicatos, então você descentraliza o sistema, ao invés de ser monopolizado.

O Banco Central atuaria como tem de atuar, ou seja, como fiscalizador, ordenador e como consultor, orientando as atividades. Como é feito hoje na agricultura familiar pela EMBRAPA, como assistência técnica. E não o que hoje é feito, em que o Banco Central é praticamente controlado pelos banqueiros, que estão lá para quase apenas discutir taxas de juros, mais monopólio, mais políticas monetárias que arrebente a população e o país.

INTERSINDICAL – Fale sobre a Campanha Nacional dos Bancários 2018. Quais são as pautas e lutas previstas para este ano?

GABEIRA – Esse ano a campanha unificada se dará na defesa dos direitos dos trabalhadores bancários e na garantia do emprego, por que infelizmente nós tivemos, por meio do governo golpista, a Reforma Trabalhista, em que se precariza os contratos de trabalho de todos os trabalhadores, não apenas dos bancários. E a nossa campanha nesse ano é na defesa dos direitos, na defesa do nosso contrato nacional e na defesa de uma outra política para o país. Por isso achamos que além de lutar e defender os nossos direitos, também temos que discutir, por meio das eleições, outro projeto. Um projeto que não pode ser o projeto do golpismo neoliberal, que já fracassou nos EUA, tem fracassado em toda a Europa e que insistem em manter, com o Estado mínimo, retirada de direitos, precarização dos contratos de trabalho, etc.

E com outras categorias defender os projetos de esquerda, que resgate os direitos perdidos dos trabalhadores, resgate o crescimento econômico e resgate o fim desse desemprego que tem atordoado todos os trabalhadores.

Vídeo Campanha Nacional dos Bancários 2018 – Mané Gabeira


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