Políticas de ajuste e gênero: O impacto da PEC 55 na vida das mulheres trabalhadoras

Imagem: Comunicação da Intersindical
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  • Laura Cymbalista¹ e Vanessa Gravino²

A PEC 55 (nome dado à PEC 241 no Senado), se aprovada, impedirá que áreas como saúde, educação e assistência social tenham novos investimentos nos próximos 20 anos. Dentre os argumentos favoráveis à PEC está a retomada do crescimento econômico brasileiro. Argumento frágil diante da quantidade de problemas que teremos como resultado desta medida em curso pelo governo ilegítimo de Temer[1].

Trataremos aqui de alguns problemas relacionados à vida das mulheres, que se tornarão mais graves se aprovado o Projeto de Emenda Constitucional 55.

Uma questão relevante a ser observada diz respeito à composição das profissionais que atuam na Educação básica e atenção básica à Saúde. São majoritariamente compostas por mulheres: professoras de educação infantil e ensino fundamental, trabalhadoras de enfermagem, agentes comunitárias de saúde e outras profissionais.

Trabalhadoras que lutam por reconhecimento e valorização profissional justamente por terem um trabalho socialmente reconhecido por atividades de cuidado, tarefa e responsabilidade das mulheres. Devido a ideologia machista, são invisibilizadas nestas ocupações a formação, o profissionalismo,  a experiência,  as condições de trabalho e remuneração dignas.  Associadas a ideia de “dom” e “doação” são desqualificadas e desvalorizadas cotidianamente.

Com a PEC 55 essa situação irá se agravar,  com o sucateamento dos serviços públicos de educação, saúde e precarização das  condições de trabalho e remuneração das servidoras.

1) O projeto elitista e a vulnerabilidade da população periférica

No Brasil, a pobreza tem cor e gênero, mulheres negras são a camada mais pobre de nossa população, mais uma vez, a elite composta por homens ricos e brancos retoma a lógica da casa grande e da senzala. Tentando manter essas mulheres na “cozinha”, vendendo sua força de trabalho bem barata para garantir única e exclusivamente sua sobrevivência e de seus familiares.

O golpe de Estado que sofremos, contribui para o afastamento da, já reduzida, participação das mulheres nos espaços de decisão política. Evidenciando que a elite reacionária brasileira, ao propagandear os “benefícios da PEC 55”, está criando uma máscara – junto da grande mídia, sua aliada – que tenta convencer a sociedade que a dita “melhora da economia” é bom para todas e todos, quando, na verdade, a “melhora” é, mais uma vez, para o setor mais rico: para os “donos do capital” (empresários, latifundiários, banqueiros…) e para a manutenção do imperialismo.

Assim, a PEC 55 é parte do pacote que retira direitos da população mais pobre e, portanto, mais vulnerável a situações de violência. Destacando aqui a violência de Estado – como o genocídio da juventude negra de periferia e as mortes em hospitais por atendimento precário de saúde. Quando a vida está sob constante ameaça, a preocupação primeira é pela sobrevivência. De maneira que quanto menos direitos trabalhistas, quando menos direitos sociais, quanto menos direitos básicos, maior vulnerabilidade para a vida da população. Estaremos na contra mão no que se refere à conquista da liberdade da população negra, das mulheres e na construção de uma democracia radical.

2) Ausência do Estado

As mulheres, especialmente as mulheres negras, já sofrem com a diminuição do Estado em áreas fundamentais, como educação e saúde públicas. A falta de creches, o sucateamento das redes públicas de educação e saúde são fatores que contribuem para que as mulheres estejam, ainda mais, em situação de desigualdade social.

O machismo, somado à diminuição do Estado nessas áreas, são fatores que resultam no aumento da dupla jornada de trabalho, pois além do trabalho remunerado, as mulheres ainda desempenham hoje, praticamente com exclusividade, o trabalho doméstico e os cuidados das crianças e parentes adoecidos e/ou idosos. Segundo dados do Ipea, atualmente, 90% das mulheres realizam tarefas domésticas, ao passo que entre os homens o percentual fica em 50%. Homens sem filhos/as trabalham em casa (em média) 11,7h semanais, quando são pais, essas horas caem para 10h, a pesquisa aponta que o cuidado com as crianças é, portanto, exclusividade das mulheres.

O trabalho doméstico não remunerado, amarra as mulheres ao espaço privado, tornando a rotina sufocante e torturante. Como a liberdade das mulheres passa, também, pela socialização dessas tarefas, se aprovada, a PEC 55 contribuirá com a não socialização dessas atividades, pois retira responsabilidades do Estado. Se este não cumpre sua função, quem sofre as consequências é quem já é responsabilizada por cumpri-las. Neste caso, especialmente as mulheres pobres e negras. Estamos longe de acabar com o machismo em nossa sociedade, ao invés de avançarmos, estaremos regredindo. Condenando mulheres a permanecer no espaço mais amplo de exploração e de dominação.

A PEC 55 está atrelada a diversas medidas de ajuste fiscal e retirada de direitos em curso. Os anúncios da Reforma da Previdência feitos pelo governo ilegítimo reproduzem e aprofundam o machismo e a desigualdade entre homens e mulheres ao propor a mesma idade para aposentadoria e aumentar o tempo de contribuição. Essa medida desconsidera a dupla e tripla jornada de trabalho que as mulheres trabalhadoras são submetidas. É um enorme retrocesso no direito das mulheres, com a invisibilização da dura realidade do trabalho doméstico e cuidado. Precisamos combater esse projeto, que representa o machismo e racismo institucionalizado.   

 3) Em nome da família

A defesa da família tem sido protagonista neste processo de reação conservadora da direita. Esta defesa tem uma base moral, mas também socioeconômica. Se coloca contrária aos relacionamentos que não sejam heterossexuais, procura difundir a ideia de que o movimento de mulheres não passam de “ideologia de gênero”, fortalece uma ideia de família “natural” (heteronormativa), onde a autoridade masculina é ressaltada e a domesticidade feminina também o é.

Não por acaso, algumas mulheres da elite têm se prestado a cumprir o papel de “bela, recatada e do lar”, havendo a retomada do papel de primeira dama, associado à caridade para as crianças pobres. Importante dizer que esse processo além de representar um retrocesso no debate sobre a participação política das mulheres, também representa a retomada de uma concepção atrasada dos direitos das crianças pequenas, filhos e filhas da classe trabalhadora. No sentido socioeconômico, tem sido valorizada a unidade privada, que não apenas têm direitos, mas que, principalmente, deve assumir as responsabilidades que o Estado não assume.

A ampliação das responsabilidades das “famílias” implica, por um lado, na obrigatoriedade da compra de planos de saúde e de educação privada, deixando a maioria da população sem atendimento público, gratuito e de qualidade, esvaziando as políticas públicas, tornando-as “problemas individuais”. Por outro lado, além de aumentar a dupla jornada de trabalho, devido ao aumento das tarefas relacionadas aos cuidados, como já citamos anteriormente, traz o aprofundamento das desigualdades de gênero no “espaço familiar” e, por consequência, social. Fortalecendo a sociedade patriarcal.

Vale destacar que deputados e deputadas envolvidos na “defesa da família”, votaram a favor da PEC 241. Os/as mesmos/as que se colocam contra relações homoafetivas, que se posicionaram contra o debate de gênero nos planos de educação, votaram pela diminuição do Estado nas áreas da saúde, educação e assistência social para toda a população brasileira.

O golpe não acabou. E as políticas oriundas dele, são marcadas pela retirada de direitos, pela misoginia, pelo sexismo, pela reafirmação do racismo e do patriarcado – estruturais e estruturantes na sociedade brasileira. A “defesa da família” esconde o ideal reacionário e o retrocesso na democracia brasileira ainda tão limitada.

As mulheres seguem na resistência e na luta contra as políticas de ajuste.  Uma luta feita cotidianamente pela ampliação do Estado, garantia de direitos e serviços públicos de qualidade. Uma luta pela radicalização da democracia e participação política das mulheres. Uma luta por uma vida digna, sem violência e exploração!


¹Laura Cymbalista é professora da rede municipal de SP, diretora do Sinpeem (oposição), movimento feminista e Intersindical.

²Vanessa Gravino é professora da rede estadual de ensino de SP, conselheira estadual da Apeoesp, movimento feminista e diretora da Intersindical

[1] Segundo o economista Bráulio Borges, da FGV, e a PEC 55 valesse desde 1998, o salário mínimo seria de R$ 400. (Ver: https://www.brasildefato.com.br/2016/10/12/salario-minimo-seria-de-rdollar-400-caso-pec-241-valesse-desde-1998-aponta-estudo/ – Acesso em 10/11/2016).

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