Municípios paulistas adotam apostilas privadas em vez de livros didáticos gratuitos

Imagem: Comunicação da Intersindical
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Um terço dos municípios paulistas trocou os livros didáticos distribuídos gratuitamente pelo governo federal pelos modelos apostilados dos sistemas de ensino privado.

Um estudo feito pela Ação Educativa e pelo Grupo de Estudos e Pesquisas em Políticas Educacionais (Greppe) da USP, Unicamp e Unesp identificou que, em 2013, 339 municípios brasileiros adotaram esses sistemas – 159 deles em São Paulo. Em 2015, o número no estado subiu para 182, das 645 cidades paulistas. Segundo o estudo, esse tipo de sistema consome entre 2% e 6% do orçamento dos municípios previsto para a educação.

A conclusão dos pesquisadores é de que, embora pareça pouco, 70% a 80% dos gastos com manutenção e desenvolvimento de ensino são destinados a pagamento de salários, isso faz com que os recursos gastos com os sistemas privados reduza a capacidade de novos investimentos dos municípios, como a ampliação de vagas na educação infantil e na infraestrutura das escolas.

“Trata-se de algo grave mediante a baixa cobertura de alguns municípios na educação infantil, sobretudo no momento em que o país trabalha para universalizar a educação infantil na pré-escola, para as crianças de 4 a 5 anos de idade, e ampliar a oferta de educação infantil em creches de forma a atender, no mínimo, 50% das crianças de até 3 anos até 2024, quando termina a vigência do atual Plano Nacional de Educação” afirma a pesquisa.

Outro elemento importante apontado por esse estudo, é que a maioria dos municípios que adotaram as apostilas privadas não suspenderam a participação no Programa Nacional de Livros Didáticos (PNLD), segundo o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). O que significa que estas cidades estariam recebendo duas vezes material didático para ser usado em sala de aula. E o que pior, dos cinco maiores grupos que vendem sistemas de ensino privado no Brasil, quatro também participam do PNLD, ou seja, ganham nos dois modelos.

Como declarou ao jornal o Estado de S. Paulo o professor Salomão Ximenes, coordenador do curso de Políticas Públicas da Universidade Federal do ABC (UFABC) e um dos responsáveis pelo estudo, “o que acontece é um baita desperdício de recurso público, porque o município paga por um material que ele já recebia do governo federal sem nenhum custo ou então ele recebe duas vezes o mesmo material, que é pago duas vezes pelo erário”.

Grupos empresariais dominam

O estudo mapeou a atuação dos cinco maiores grupos empresarias do setor educacional que realizam venda de produtos e serviços que vão desde as apostilas a formação de professores e pacotes de gestão. São eles, Sistema Aprende Brasil (SABE), da empresa Positivo; Sistema Municipal de Ensino (SOME), do Grupo Objetivo; Uno Público, do Grupo Santillana; e Anglo, da Abril Educação (hoje Somos Educação).

A pesquisa aponta ainda que a qualidade dos materiais oferecidos por estas empresas costuma ser referenciada no desempenho das escolas privadas pertencentes aos mesmos grupos empresariais em avaliações externas como o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), mas que as redes públicas possuem um público socioeconômico muito diverso.

A grande cartada dessas empresas e dos prefeitos para convencer a população é que os estudantes da rede pública terão acesso ao mesmo material que escolas privadas que são “reconhecidas pelo seu nível de ensino”, na maioria das vezes, fruto de muita propaganda e apoio da mídia. No entanto, não existem dados que comprovem que o uso de apostilas privadas tenha melhorado o ensino, pelo contrário, as pesquisas e os movimentos e educação apontam que a autonomia escolar é um princípio que se fere ao adotar tal modelo.

Temos clareza de que a compra de materiais apostilados por redes públicas é uma das formas de privatização da educação. É mais uma forma de repasse das verbas públicas ao setor privado e aos grandes empresários da área educacional. A compra dos sistemas de ensino traduzem vários aspectos a serem combatidos por todos aqueles que defendem uma escola pública de qualidade: nela reside a padronização e homogeneização das aulas, descartando a diversidade e desigualdades existentes entre cidades, estados e diferentes áreas de nosso país; reside a ideia de que o professor é um executor de tarefas que está alijado da tarefa de pensar, preparar e planejar suas aulas, organizando os recursos que considerar adequados. Na compra das apostilas reside a ideia da escola única, descartando processos e tempos de aprendizagens que são individuais, considerados nos ciclos de aprendizagem. Reside a lógica da competição e da meritocracia, uma vez que são voltados à realização de exames e provinhas, sobretudo avaliações externas que servem para ranquear e punir alunos, professores, escolas e redes de ensino. Nela prevalece uma única forma de pensamento e de visão de história e sociedade, uma vez que a proposta pedagógica é que traduz que tipo de Homem e de sociedade se pretende formar. E isso tudo é feito usando verbas públicas e engordando os bolsos dos grandes empresários. Questão que fica mais grave com o processo de fusão ou compra desses grupos educacionais privados por grandes empresas estrangeiras, como o sistema de ensino COC comprado pelo grupo inglês Pearson recentemente.

“O uso dos sistemas apostilados na rede pública (que acontece desde a educação infantil) contraria princípios constitucionais. Tratar a educação como mercadoria favorece esse tipo de ação, já que a venda das apostilas para as redes municipais passou a ser um grande filão. É preciso que haja um maior controle público sobre essa verdadeira avalanche do setor privado. A educação precisa ser vista como direito público e subjetivo, dever do Estado e receber todas as condições para que possa, dentro dos princípios da gestão democrática e da pluralidade de ideias e concepções pedagógicas, garantir padrões de qualidade para todos e todas”, afirma o deputado federal Ivan Valente (PSOL-SP).

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