Manifesto do Encontro Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Serviço Público

Imagem: Comunicação da Intersindical
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O presente Encontro Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Setor Público é fruto do esforço de construção e de um amplo processo de unidade das centrais sindicais CUT, CSP-CONLUTAS, CTB, PÚBLICA, CGTB, UGT, Força Sindical, Intersindical Central da classe trabalhadora, NCST – Nova central, CSB, Intersindical Instrumento de luta e organização da classe trabalhadora, além de outras entidades representativas do movimento de trabalhadores e trabalhadoras como FONASEFE, Movimento BASTA, UPB União dos Policiais do Brasil, e também da Frente Parlamentar Mista do Serviço Público.

Os resultados desse evento, estampados neste documento, apontam o caminho para o combate à política criminosa e destruidora dos serviços e dos servidores públicos estabelecida na Proposta de Emenda Constitucional 32, que impõe um duro golpe às políticas sociais de saúde, educação, segurança, dentre várias outras, e a extinção dos regimes jurídicos únicos nas esferas dos municípios, estados e União, vilipendiando de forma perversa os preceitos constitucionais da Carta Magna de 1988.

Esse encontro aponta o caminho da luta e da resistência e chama o povo brasileiro a somar-se nessa cruzada para evitar um duro golpe nas conquistas e direitos sociais de nosso povo consignados nessa terrível reforma administrativa.

A derrota da PEC-32 é a vitória do povo trabalhador brasileiro. Esse é o nosso propósito e essas são nossas tarefas!

O QUE ESTÁ EM JOGO COM A REFORMA ADMINISTRATIVA DO GOVERNO BOLSONARO?

Desde o início do governo de Jair Bolsonaro, têm sido implantadas no país várias ações que que diminuem o papel do Estado brasileiro. São medidas para privatizar as empresas e os serviços públicos, reduzir investimentos, a oferta de serviços públicos, mesmo os essenciais, as políticas que combatem as desigualdades (entre homens/mulheres; negros/não negros; campo/cidade; LGBTQIA+; pessoas com deficiência (PcD); geracional etc.), retirar direitos dos servidores(as) e dos trabalhadores(as) do setor privado e enfraquecer a representação dos trabalhadores.

Nessa perspectiva, o governo apresentou uma proposta de Reforma Administrativa (PEC 32/2020) que irá destruir os serviços públicos. O debate público, diante do desempenho pífio da economia do país, tem sido pautado pelo interesse do mercado e da grande mídia, que condenam os gastos públicos e depreciam a atuação dos servidores, propondo uma agenda de Estado Mínimo como solução para os problemas brasileiros. Na prática, isso significa que os recursos públicos estão sendo transferidos do Estado para o mercado, em detrimento dos interesses da sociedade. Ou seja, favorecendo apenas os grandes empresários e banqueiros, que saqueiam os cofres públicos.

O governo utiliza a premissa de que é preciso realizar a reforma administrativa para solucionar a questão fiscal e assim retomar o crescimento da economia. A alegação foi a mesma com a Emenda Constitucional 95 (emenda do teto), com as reformas trabalhista e da previdência. Como é visto e sentido pelo povo brasileiro, nenhuma dessas medidas teve qualquer força para gerar empregos, impulsionar o crescimento e o desenvolvimento do país.

Bem diferente do discurso da mídia e do governo, o número de servidores públicos em relação à população brasileira está abaixo do verificado em muitos países desenvolvidos. E em relação aos rendimentos, a maior parte dos funcionários públicos (53%) tem rendimentos concentrados na faixa de até 4 salários mínimos, ou seja, de R$ 3.816,00 (RAIS 2018). No serviço público municipal, 75% dos servidores auferem até R$ 3.381,00 (RAIS 2018).

IMPACTOS DA REFORMA ADMINISTRATIVA SOBRE OS SERVIDORES PÚBLICOS

Ao contrário do que tem sido afirmado pelo governo Bolsonaro e seus apoiadores, a reforma administrativa altera e retira direitos e garantias já consagrados para os servidores públicos, ao mesmo tempo que protege as forças armadas, a cúpula do judiciário, do parlamento e do executivo.

De maneira sintética, pode-se dizer que ocorrerão impactos diretos e indiretos para o conjunto de trabalhadores, para a atuação sindical e para a sociedade brasileira como um todo, caso essa reforma seja aprovada.

Talvez, a mais importante alteração que consta da PEC 32 é a que se pode chamar de relativização da estabilidade. A estabilidade é regra constitucional e é a maior garantia para a sociedade de que o servidor poderá desempenhar seu trabalho de forma impessoal, sem se preocupar com qualquer tipo de represália, tendo o mínimo de influências de ordem político-partidária e sem comprometer a missão final de bem atender ao cidadão.

Atualmente, a Constituição prevê, no artigo 41, as seguintes condições para que o servidor público estável venha a perder o cargo: I – em virtude de sentença judicial transitada em julgado (quando não mais possibilidade de recurso); II – mediante processo administrativo em que lhe seja assegurada ampla defesa; III – mediante procedimento de avaliação periódica de desempenho, na forma de lei complementar, assegurada ampla defesa.

A proposta em análise prevê que o atual servidor público estável e o futuro servidor ocupante de cargo típico de Estado possam perder seus cargos a partir de uma decisão proferida por órgão judicial colegiado. Essa alteração representa um gravíssimo retrocesso, visto que atualmente a perda do cargo pode ocorrer após o processo transitar em julgado. Desde a Constituição de 1934, a hipótese de perda judicial do cargo público somente acontecia depois do trânsito em julgado, o que foi mantido na redação originária da Carta de 1988. Caso a PEC32 seja aprovada, veremos um retrocesso sem precedentes.

A perda de cargo mediante processo administrativo não sofre alterações na PEC. Todavia, outro dispositivo do texto diz que a perda do cargo por esses servidores pode se dar a partir de uma avaliação periódica de desempenho, sendo que os critérios dessa avaliação deverão ser definidos em lei ordinária.

Apesar de a Constituição Federal prever a avaliação de desempenho o fato da PEC32 determinar a definição de critérios por meio de lei ordinária facilita a aprovação e, posteriormente, possíveis alterações. Desta forma, o serviço público pode facilmente ser submetido a conjunturas políticas momentâneas, atendendo a intenções governamentais episódicas e a variações ideológicas do governo de plantão. Adicionalmente, decisões monocráticas de chefias poderão acentuar, ainda mais, as práticas consagradas de assédio moral no âmbito do setor público.

Infelizmente, apesar da estabilidade, a arbitrariedade é uma realidade que os trabalhadores e trabalhadoras do serviço público estão submetidos. Pela força do movimento de luta e pelas legislações vigentes, muitas dessas decisões arbitrárias são revertidas. Porém, com a Reforma Administrativa, esta situação de instabilidade e arbitrariedade passará a ser regra.

Assim, uma coisa é aperfeiçoar instrumentos existentes de avaliação, o que é e sempre será bem-vindo quando aliado à melhora da prestação do serviço público; outra é, sob a justificativa de aumentar a produtividade e se intensificar o ajuste fiscal a qualquer preço, sujeitar o servidor à perda do cargo, por subjetividade das chefias e/ou arbítrio dos governantes em avaliações pseudo-meritocráticas. Esta relação entra em conflito com o próprio princípio da continuidade dos serviços públicos, uma vez que toda a população fica vulnerável com a falta de trabalhadores e trabalhadoras.

Importante destacar que as áreas técnicas, administrativas ou especializadas da administração pública serão preenchidas na forma de cargos por prazo indeterminado, o que significa na prática que a maior parte dos servidores não terá estabilidade durante todo o seu período laboral.

Adicionalmente, outra questão importante é que haverá alterações também na ocupação de cargos de chefia e direção pelos atuais servidores. A regra atual prevê que as funções de confiança sejam destinadas exclusivamente aos servidores efetivos e que os cargos em comissão sejam em parte preenchidos pelos servidores estáveis e em parte por servidores não estáveis. A proposta prevê que os cargos em comissão e as funções de confiança serão progressivamente substituídos pelos cargos de liderança e assessoramento, de livre nomeação e exoneração. Serão destinados às atribuições estratégicas, gerenciais ou técnicas, sem fazer distinção entre aqueles cargos que poderão ser ocupados apenas por funcionários públicos, selecionados via concurso. Dessa forma, a ocupação de funções técnicas na administração pública por indicação pode levar ao aumento da ineficiência e à politização de decisões que deveriam ser de ordem estritamente técnica. Será a ampliação do apadrinhamento político e a prática inescrupulosa dos famosos “cabides de emprego”.

Diretamente relacionadas às alterações de ocupação dos cargos estão as mudanças propostas para o Art. 84 da Constituição, que aumentam demasiadamente os poderes do presidente da República. De acordo com a proposta, caso não implique em aumento de despesa, o presidente, por meio de decreto, poderá, entre outras medidas, extinguir cargos em comissão, de liderança e assessoramento, funções de confiança e gratificações de caráter não permanente, estando esses cargos ocupados ou não. Também estando vagos ou não, o presidente poderá transformar cargos em comissão, cargos de liderança e assessoramento, funções de confiança e gratificações de caráter não permanente. Nota-se, que há uma relação desproporcional que garante poderes que ultrapassam as características do chefe do executivo, em uma nítida medida de autoritarismo.

Além das questões abordadas anteriormente, a partir da análise da PEC 32, estão previstos também impactos indiretos, dentre eles: 1) Redução do financiamento dos Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS) e consequente aumento dos déficits atuariais e financeiros das previdências dos servidores; 2) Instrumentos de Cooperação e vínculos por Prazo Determinado, o que pode implicar em fragilização da carreira e das lutas e reivindicações por direitos e garantias. Estes instrumentos constitucionalizam a terceirização e a privatização do Estado brasileiro. Isto sem contar que além de prejudicar de maneira direta os trabalhadores e trabalhadoras atuais, ataca ainda os que se aposentaram, completamente diferente do discurso do governo de que novos trabalhadores serão afetados.

Assim, a reforma administrativa afeta não somente os futuros, mas também, os atuais servidores públicos e mesmo aqueles que se aposentaram. E, ainda pior que isso, afeta o conjunto da sociedade com a destruição dos serviços públicos, especialmente as populações mais vulneráveis.

O desafio para o movimento sindical – que também será impactado com essa reforma é desmistificar o discurso oficial de que a reforma não afetará os atuais servidores públicos, dialogando e informando os trabalhadores sobre os efeitos nefastos para servidores e serviços públicos e atuando no Congresso Nacional durante a tramitação e votação da PEC. Mais do que isso, construir fortes mobilizações para levar esse debate a toda a sociedade, na medida em que a precarização dos vínculos de trabalho no serviço público deverá levar a uma série de comprometimentos no atendimento aos trabalhadores e trabalhadoras em suas demandas sociais.

IMPACTOS DA REFORMA ADMINISTRATIVA PARA A SOCIEDADE BRASILEIRA

A Constituição de 1988 consagra vários direitos que, para existirem na prática, precisam ser efetivados por políticas públicas. Sem elas, tais direitos não poderiam ser acessados pelos(as) brasileiros(as).

Dentre esses direitos, destacamos os chamados direitos sociais, que são a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância e a assistência aos(às) desamparados(as). As políticas públicas relacionadas a esses direitos atingem todos(as) os(as) brasileiros(as), não somente os(as) mais pobres. Aqueles(as) que usufruem de alguns desses direitos eventualmente por meio de empresas privadas ainda assim são beneficiários(as) de políticas públicas.

A PEC 32 propõe retirar a primazia do concurso público como instrumento de seleção de pessoal, enfraquecer e/ou eliminar a estabilidade dos(as) servidores(as) estatutários(as) e reduzir os patamares salariais, além de transferir atividades públicas para a iniciativa privada e dar amplos poderes ao presidente da República para reorganizar o funcionamento do Estado de forma arbitrária e sem qualquer discussão com o Congresso Nacional e com a sociedade.

Isso pode ensejar maneiras de efetivação da corrupção e o fomento da arbitrariedade de agentes privados no âmbito do Estado. Logo, a proposta de reforma administrativa não se restringe aos(às) servidores(as) públicos(as), embora este seja praticamente o único aspecto tratado pela imprensa. Se aprovada, tal reforma beneficiará interesses econômicos privados em detrimento do bem da coletividade, desprotegendo ainda mais a população pobre e a classe média.

A proposta de reforma administrativa ataca conquistas democráticas e pactos sociais construídos desde a redemocratização. As consequências de uma eventual aprovação dessa reforma serão sentidas não apenas pelos(as) servidores(as) públicos(as), mas por todos(as) os(as) brasileiros(as), uma vez que todos(as) sem exceção utilizam o serviço público. Situação que deixa a classe trabalhadora e aqueles que vivem em situação mais vulneráveis de maneira extremamente desprotegidos e desamparados.

As reformas propostas por esse governo representam a disputa pelos recursos públicos e tem o objetivo de diminuir ainda mais o papel social do Estado, não para que ele seja mais ágil, mas para que o setor privado lucre com as atividades que antes eram públicas. O resultado desse modelo voltado para o mercado é a ampliação da fome, da pobreza, da concentração de renda e da barbárie.

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