Manifesto do Coletivo de Educação Florestan Fernandes

Imagem: Comunicação da Intersindical
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No próximo dia 10 de agosto completará vinte e um anos sem a presença do sociólogo e militante de esquerda Florestan Fernandes. Seu exemplo de vida, especialmente a sua aguerrida militância em defesa de uma escola pública, laica, universal e de qualidade continua a alimentar o sonho e a luta de milhares de educadores brasileiros. E inspira os signatários deste Manifesto.

Vivemos um momento delicado em nosso país. A crise é econômica e política e coloca em evidência o esgotamento de um modelo de desenvolvimento e de condução do país, o qual foi construído por meio de uma perigosa e instável combinação: de um lado, a manutenção da política econômica conservadora, mantendo o pagamento da dívida pública e não ferindo os interesses dos grandes monopólios e, por outro lado, desenvolvimento de políticas sociais direcionadas aos mais pobres, por meio de políticas compensatórias e inserção de camadas populares no consumo capitalista.

A consumação de um golpe institucional, implementado pelos partidos conservadores e tendo à frente o vice-presidente Temer representa, ao mesmo tempo, o esgotamento do ciclo anterior e a decisão do grande capital e das forças conservadoras de assumir as rédeas do país, de forma golpistas (eleitoralmente não foram vitoriosos em 2014) para garantir a implementação de ajustes econômicos que joguem de forma decidida o ônus da crise econômica nas costas das classes trabalhadores e demais deserdados do país. Não reconhecemos legitimidade no governo Temer e nos somaremos as mobilizações populares contra sua existência e contra as medidas antipopulares.

Tal quadro político mostrou que treze anos de petismo no governo não consolidaram uma nova hegemonia ideológica, cultural e política em nosso país. As forças conservadoras ocuparam as ruas, monopolizam a mídia (que não sofreu nenhum arranhão neste domínio no período), construíram maioria ampla no parlamento e presenciam o fortalecimento de suas ideias, inclusive em espaços antes hegemonizados pela esquerda.

A geração que foi às ruas nos anos anteriores a vitória de Lula, levantou bandeiras fundamentais para que a educação fosse colocada à serviço de um projeto de transformação. Assim, na Constituinte e na tramitação da LDB, a defesa de que as verbas públicas somente fossem destinadas as escolas públicas representou um divisor de água contra a hegemonia neoliberal. Da mesma forma, o combate a proliferação de testes de larga escala de aprendizagem como sinônimo de avaliação educacional, foi o contraponto a uma concepção de educação como mercadoria. E, não menos importante, a necessidade de expansão do direito à educação enquanto conquista universalizante e não focalizada.

Em que pese uma retomada da oferta pública no ensino superior, a primazia do setor privado se aprofundou. Os incentivos fiscais e os programas de bolsas e financiamento estudantil, anunciadas como paliativos necessários e emergenciais, ao contrário, tornaram-se eixo do crescimento da oferta nesta etapa de ensino.

A educação básica avançou a trancos e barrancos, crescendo sem alçar um patamar mínimo de qualidade e não revertendo a concentração de sua oferta no elo mais fraco de nosso federalismo, ou seja, sobrecarregando os municípios. Escola pobre para os pobres continuou sendo a dinâmica de expansão do atendimento escolar.

Ainda convivemos com mais de 13 milhões de analfabetos e um número ainda maior de analfabetos funcionais. O atendimento na primeira infância é precário e insuficiente. A desigualdade territorial condena os brasileiros residentes em regiões pobres, municípios pequenos e rurais a conviver com tudo menos algo que possa ser chamado de escola.

Passados 84 anos do lançamento do Manifesto dos Pioneiros, a demanda por colocar a educação como eixo estruturante do desenvolvimento nacional continua em aberto. Em muitos casos, a precariedade do atendimento representa um reforço enorme ao processo de exclusão econômica, frustrando as generosas esperanças de que por meio dela a vida das pessoas melhoraria.

As fronteiras entre o público e privado nunca estiveram tão frágeis. Além da migração de recursos para o setor privado via programas de bolsas e isenções fiscais, tem crescido o repasse da gestão das escolas para OSCIPs e congêneres nos seus mais diferentes formatos, assim como a terceirização da parte pedagógica para conglomerados fornecedores de apostilamentos.

A fragilidade do governo Dilma, aliado a doze anos de assimilação programática e ideológica por parte do petismo, favoreceu que os milhões de brasileiros que acessaram condições de consumo (mesmo que sem ampliação dos direitos) se mantivessem sob a influência do pensamento conservador. Não se disputou nenhuma nova visão de mundo, de relações sociais, de gênero, de raça ou coisa que o valha. O resultado é o crescimento de uma onda de conservadorismo, expresso no parlamento nacional, mas com forte audiência social. A tentativa de reduzir a maioridade penal, os linchamentos públicos, as propostas de diminuição da autonomia pedagógica dos docentes e a criminalização dos movimentos sociais é expressão deste fenômeno.

A educação no governo golpista de Temer consolidará um verdadeiro retrocesso político e ideológico, colocando em risco os pequenos avanços na área de direitos e de acesso. E consolidará de forma escancarada a primazia do privado sobre o público, retirando a formação dos professores das universidades e passando para as fundações empresariais, por exemplo e aumentando a destinação via subsídios para o setor privado nas áreas em que ainda não dominam. O piso nacional do magistério está sob ameaça, novos cortes orçamentários serão implementados e o Plano Nacional de Educação caminha para o esquecimento.

Ser de esquerda e progressista tornou-se pejorativo. As regras são o “salve-se quem puder”, o carreirismo e a competição capitalista. Não se disputou a hegemonia, pelo contrário, o projeto de mudança foi substituído por um projeto de manutenção da estrutura partidária no poder e por práticas recorrentes na política brasileira.

Felizmente, como nos ensinou Rosa Luxemburgo, quem não se movimenta, não sente as correntes que o prendem. E nestes anos os educadores e estudantes lutaram bastante. Esta luta explica, em parte, as tensões por ampliação de direitos vivenciadas no ciclo petista. Muito de errado não aconteceu por que houve luta.

Nestes vinte e um anos que nos separam da convivência com Florestan, os educadores e estudantes mantiveram erguida a bandeira da escola pública, conquistando algumas vitórias e evitando retrocessos. Foi assim na incorporação dos alunos das creches no Fundeb, na conquista da lei do piso salarial para o magistério e na inscrição de 10% do PIB para a escola pública no novo Plano Nacional de Educação, dentre outras conquistas alcançadas com a mobilização social.

Foi através de poderosas greves que os educadores resistiram contra a política econômica excludente e conquistaram espaços de participação e arrancaram pequenos avanços. Foi ocupando reitorias e marchando nas ruas que os estudantes foram garantindo pequenas e importantes ampliações de vagas.

Acreditamos que, como nos ensinou Paulo Freire, a educação não transforma o mundo, mas ela muda as pessoas. E as pessoas transformam o mundo. E não é possível ter uma educação que cumpra esta tarefa se não estiver profundamente antenada com a tarefa de transformar as relações sociais capitalistas, ou seja, se não estiver comprometida com o socialismo.

Para resgatar o espaço de uma educação pela esquerda é que decidimos constituir um Coletivo de Educadores. O Coletivo Educacional Florestan Fernandes é uma organização social formada por todos aqueles que acreditam na necessidade da transformação social e reconhecem na educação um espaço essencial neste processo.

O Coletivo não tem filiação partidária, mas possui lado. Somos um Coletivo formado por socialistas e lutamos ao lado de todos os partidos e movimentos sociais que comungam deste ideal. E acreditamos na necessidade de reconstruir o sonho de um projeto verdadeiramente de esquerda em nosso país, seja em nível partidário, seja no movimento sindical, popular e estudantil.

Todos os cidadãos que comungarem dos pressupostos expostos neste manifesto, com prioridade para os educadores (no sentido mais generoso do termo), ou seja, cabem prioritariamente no Coletivo os professores (da educação básica e superior), os estudantes, os jovens excluídos do acesso educacional, os educadores populares e todos os que acreditam na necessidade de uma educação comprometida com a transformação social.

Temos como diretriz ser um espaço de fomento de reflexões acerca do pensamento socialista na educação. Esta diretriz se realiza por meio da disseminação do pensamento de esquerda, no patrocínio de debates e no engajamento de campanhas políticas que fortaleçam o ideário de transformação socialista no Brasil e no Mundo.

Nesta diretriz terá acento especial a divulgação da elaboração teórica do sociólogo Florestan Fernandes e de todos aqueles que contribuíram (e contribuem) para a construção de uma nova sociedade, tendo como foco a educação.

O Coletivo somará esforços na luta socialista, apoiando os movimentos sociais brasileiros, participando de mobilizações sociais e políticas e participando de articulações, redes ou frentes, sendo de acordo com o ideário aqui apresentado.

Como parte do movimento da sociedade civil brasileira, o Coletivo terá como uma de suas diretrizes o incentivo a auto-organização das classes trabalhadoras do nosso país, especialmente na área da educação.

E, obviamente, é um coletivo que formula, defende e milita por uma ESCOLA PÚBLICA, LAICA, DEMOCRATICA E SOCIALMENTE REFERENCIADA.

Serviço:
Quando?
Hoje, às 19h

Aonde?
Praça da República, 282, São Paulo, SP
Sede da Apeoesp

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