Jogos Mundiais dos Povos Indígenas: protestos, silêncios e invisibilidade

Imagem: Comunicação da Intersindical
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O desabamento do teto do refeitório no local de alojamento das delegações brasileiras que participam do I Jogos Mundiais dos Povos Indígenas (JMPI) é realmente lamentável. Ocorrido neste sábado (24) pela manhã, resultou em três funcionários feridos. Como consequência, as refeições foram preparadas e servidas de modo precário em locais improvisados.

Também é inadmissível que, na semana passada, o sistema de aclimatação da cozinha tenha entrado em pane, elevando a temperatura do local a 65 graus, como confirmou o Ministério Público Federal (MPF), e levando oito trabalhadores/as do local a serem atendidos em unidades de emergência, com sinais de desidratação, devido à exposição ao calor excessivo. E por falar em cozinha, fomos informados de que as cozinheiras trabalham das 4 horas da manhã até às 22 horas, sem que haja rodízio, sendo submetidas a uma jornada de trabalho extremamente exaustiva.

Essas são apenas algumas amostras da forma irresponsável com que foi implantada às pressas uma precária e sofrível infraestrutura para estes jogos mundiais dos povos indígenas, que acontece até o próximo dia 31, em Palmas, no Tocantins.

Para tentar evitar que aconteçam outros incidentes graves e comprometedores, o MPF se encontra no local dos jogos. Queixas e alertas foram dados mas, infelizmente, a atitude autoritária e pouco transparente na condução do processo não permitiu que se realizasse uma construção participativa do trabalho, com mais tempo e segurança.

Tendo em vista essa precariedade, por um lado, e uma postura que contraria o espírito de integração e celebração, por outro, com barreiras arbitrárias e “cercas da vergonha”, que impedem e limitam a comunicação e integração entre os próprios indígenas presentes em Palmas, é que foram realizados diversos atos de protesto dentro e fora da Arena na abertura do evento, realizada na última sexta-feira (23).

Dentro e fora da arena, protestos

Indignações e protestos, especialmente dos povos indígenas, foram registrados desde o início da chegada das delegações, na semana passada, seja pela impossibilidade de credenciamento para assistir a abertura dos jogos, seja pela falta de estrutura para alojar as delegações que não estivessem credenciadas. Eles aumentaram de intensidade na medida em que foram acontecendo os desmandos, a falta de diálogo, o descaso e a falta de transparência.

Os protestos tiveram maior intensidade por ocasião da abertura dos jogos. Barrados na entrada da arena, centenas de indígenas fizeram o seu protesto do lado de fora, procurando obstruir a entrada das delegações e ameaçando derrubar as grades. Os gritos e as palavras de ordem eram contra a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215 – chamada pelos povos de “PEC do Genocídio” –, a paralisação das demarcações das terras indígenas e pelo “Fora Kátia Abreu”. Faixas com estes dizeres foram abertas dentro da arena.

Próximo ao local do evento também protestaram representantes dos movimentos sociais e aliados da causa indígena. Com inúmeras faixas e mais de uma centena de cruzes fincadas ao longo da avenida de acesso ao local dos jogos, procuraram dar visibilidade às demandas dos povos indígenas, seus direitos, suas lutas e sua resistência: “Jogos sim, mas com terra demarcada, respeito e dignidade”.

Outras faixas demandavam o “Fim do Genocídio Indígena” e “Não a Matopiba” (a nova fronteira agrícola do agronegócio que o Estado pretende instituir no Nordeste, com extensão de 73 milhões de hectares, que irá atingir 28 terras indígenas, 42 unidades de conservação ambiental, 865 assentamentos e 34 quilombos). O fim de projetos legislativos que ofendem os direitos constitucionais dos indígenas, como a PEC 215 e o Projeto de Lei (PL) 1610, que libera a exploração da mineração em terras indígenas, dentre outros, também foi pauta dos protestos realizados em Palmas.

Quando a noite veio nos envolver com seu manto, acendemos velas que simbolizam a esperança e a força dos povos indígenas, embalados com canções de luta, resistência e transformação.

O silêncio eloquente da presidente

Quando o mestre de cerimonial chamou a presidente Dilma, os participantes se dividiram entre vaias e aplausos. Era, então, esperada uma fala da presidente. Diante do total silêncio dela, um representante da coordenação do evento desandou falação dizendo que “vaia não é do povo indígena, isso aqui não é comício. Podem vaiar nas eleições do ano que vem”.

Qual terá sido a razão do silêncio? É notório que a presidente tem evitado se encontrar com os povos indígenas. Não seria este um gesto de desconsideração para com os povos indígenas de todo mundo, por parte das autoridades brasileiras?

Deprimente

Destaco a seguir o desabafo de uma indígena, feito a partir da realização do ritual de abertura do Jogos:

“Deprimente, este é o sentimento que me corta a alma. Deprimida é como me sinto ao estar presenciando o que aconteceu aqui na vila olímpica. Vejo e me recuso a olhar a Corrida de Tora, ritual sagrado para nós, povos indígenas, sendo apresentado em uma arena e narrado como se fosse rodeio.

A corrida de tora é praticada em momentos especiais de vidas, buscando sempre o equilíbrio do povo com o Todo. Demonstra a igualdade e a importância que todos têm dentro da comunidade, duas partes que correm sempre buscando estar juntas, caminhar em equilíbrio e respeitar uns aos outros. Não é rodeio, não é e nunca foi competitivo. Não são animais correndo, carregando toras que jamais podem cair. Não existe ninguém querendo chegar antes que o outro. Não há competição.

É deprimente estar na feira de artesanato indígena, coordenado pelo Sebrae, e me deparar com uma jovem que está vestida com uma roupa diferente que não caracteriza nenhum povo indígena. Usava um cocar indígena e estava de prontidão frente a um painel simplesmente para posar para fotos com visitantes. Me aproximei dela e perguntei de que povo era. Ela respondeu: “não sou indígena, sou modelo”. Fiquei estarrecida com tamanho desrespeito. Quantas mulheres indígenas lindas ocupam aquele espaço e não são vistas, muito menos consideradas pelos organizadores do evento. Contrataram uma modelo para posar de índia!!!”

Assim, o I Jogos Mundiais dos Povos Indígenas é um evento onde os indígenas continuam invisíveis para aqueles que organizaram o evento. E do lado de fora da arena mais de 200 indígenas são proibidos de adentrarem. Sendo somente eles o público que teria a compreensão do significado de todos os rituais e atividades que ali aconteceram.

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Fonte: CIMI (Conselho Indigenista Missionário)
Fotos: Egon Heck e Laila Menezes

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